Cynno.... Feliz Aniversário!!!
Agora o assunto de fato, um texto encaminhado à mim, pelo meu amigo e ator, David Gomes:
O teatro sim é uma arte morta, se na sua
pratica não é revestido de fogo (paixão) o que torna o momento eterno e esta
ligação com nosso espírito, como diz Tolousse Lautrec a Arte é a religião do
espírito, o momento que o artista se descobre e descobre si aos outros, é
mágico, como pede Artaud, vamos nos tornar labaredas vivas, e no fogo que se
produz o vácuo com a combustão, o nada se faz no agui e agora, tornando
eterno este momento, o artigo abaixo é do Arnaldo Bloch de hoje do O Globo,
por favor troquem a palavra livros por peças, eu faço teatro pra me
descobrir e me perder, e você ?
Por quem (as peças ) os livros choram
Beltrano aqui denominado “jornalista e escritor Obdúlio Fronkman” disse
outro dia, numa palestra, que “escrevia para descobrir”. “Pois é — disse
Obdúlio — tem gente que primeiro escreve e depois descobre, ao contrário do
usual, que é descobrir e depois descrever. Quando a gente escreve para
descobrir, percorre vários caminhos que não percorreria normalmente”.
Então, na platéia, uma anciã perguntou:
“Mas isso não torna as coisas mais demoradas e tortuosas?”
“Sim. Em compensação, nas idas e vindas, tentativas e erros, ao mesmo tempo
que descartamos quase tudo, topamos com uma teia de coisas preciosas, que
jamais viriam à tona pelas vias tradicionais.”
Obdúlio fez uma pausa.
“E tem mais: muitos dos trechos e idéias que descartamos voltam mais tarde,
amadurecidas, ou então, quando não voltam, deixam traços, nem que seja uma
cadência, um ritmo, um estado de alma a vibrar nas entrelinhas.”
Ele respirou fundo.
“Mesmo assim, é possível que, no final, joguemos no lixo tudo e escrevamos,
enfim, o tal do livro. E é bastante provável que ele fique muito melhor que
tudo que escreveríamos se já tivéssemos um plano traçado.”
Um sujeito usando sobretudo de lã fechado até o pescoço apesar de lá fora
estar fazendo 25 graus e não haver ar-condicionado levantou-se, apontou para
Obdúlio de maneira acusatória e disse, sem pedir licença:
“Isso o senhor diz porque é um escritor da era dos computadores. Podendo
deletar, mover, copiar, colar, descolar, arquivar e transferir os seus erros
e acertos fica bem fácil posar de intuitivo. Queria ver se estivesse
escrevendo num caderno com caneta-tinteiro, ou com esferográfica mesmo, ou
com lápis, ou com sangue, ou à máquina, à luz de velas ou lampiões, num
quartinho imundo no fundo de um beco nos subúrbios do Velho Mundo.”
“Tem razão, não sei se suportaria. Ainda assim, muitos o fizeram”, respondeu
Obdúlio Fronkman de bate-pronto. “Escreveram e reescreveram, encheram todos
os espaços brancos além das linhas com anotações e emendas, levaram anos,
décadas, só não levaram séculos por que não deu tempo, e então deixaram
turbilhões inacabados, páginas agonizantes que viveram nas gavetas até que
as traças acabassem com elas.”
“O senhor então menospreza os que escrevem de primeira, aqueles cujas
estruturas saem prontas e naturais?”, perguntou uma senhora magra com mais
de dois metros, sem se levantar, pois o teto do auditório, rebaixado, não
seria suficiente.
“Não. Mas esses são raros, porém. E, a maioria, comprometida com a escrita
instantânea, que nem sempre retrata instantes de brilho. Ou então são
mestres que aprenderam justamente transpondo o breu.”
“E a técnica? E os estudos de narrativa? E as teorias de texto, que produzem
best-sellers com tanta certeza que aquele que os escreve, por vezes, é
substituído por outro sem que nada mude?”, perguntou um notório editor de
livros sem apresentar-se como tal, pois sabia que Obdúlio Fronkman, um
distraído imperdoável, não o reconheceria.
“Eu responderia com uma pergunta: até que ponto, até que nível de vergonha,
vender é ético? Fernando Pessoa uma vez disse que os verdadeiros livros são
os que nunca saem da gaveta. Certo, são radicalizações, mas responda o
senhor: de que vale ter uma fórmula para dar à luz um livro morto?”
“Como assim um livro morto, se ele é lido por centenas de milhares de
pessoas?”
“Um livro morto, sem alma. Natimorto. Cópia fria do que já foi descoberto.
Morto porque não há um criador por trás: há, na melhor das hipóteses, um
aviador de receitas literárias (às vezes as suas próprias receitas depois
que perdem o frescor). Um copiador dos outros ou de si mesmo, um impressor
disfarçado de escritor, com um editor risonho e modorrento por trás, não é
mesmo, senhor... Y, não é assim que o senhor se chama?”
Pego assim de surpresa — ele o reconhecera! — o senhor Y, editor de
best-sellers, engoliu em seco e não retrucou, apenas aguardando que Obdúlio
Fronkman arrematasse.
“Os que escrevem para descobrir e parte dos que descobrem para escrever, e
também os raros escritores instantâneos que valem a pena, preenchem com
vidas as suas páginas. Com as suas próprias vidas, vividas ou imaginadas,
mas que, vivas e atentas, percorrem as sinapses do criador na própria
origem, remexem sua circulação, apertam seu peito e acionam todas as esferas
do pensamento que os filósofos e a ciência ainda não conseguiram apreender,
e por isso inundam o leitor com uma enxurrada de energia nova.”
“Os livros, então, têm vida?”, indagou, com uma pompa calculada, o mediador.
“Não. O senhor não entendeu. Têm vida os livros que choram. Que gritam. Que
se desesperam. Os livros que falam e que riem, às turras, amargos, na cara
do leitor.”
“E por quem os livros choram?”, perguntou o mediador, achando que estava
abafando.
“Choram pelos livros que, natimortos, mataram os seus leitores.. Pelos clones
inconscientes em que se converteram. Pelos escritos que não tremem nas
prateleiras. Que não pedem proteção. Que não produzem arrepios quando se vai
buscá-los. Sequer encaixam-se na linha do tempo esses escritos, são
consumidos apenas, não mudam de sabor, se é que têm, não provocam acidez,
não voltam à mente depois de devorados, não são nem absorvidos nem
eliminados, perdem-se e se desfazem na suprema complexidade do organismo sem
provocar qualquer reação, e não deixam marcas no corpo nem na alma.”
Uma boa semana a todos